História de um Nome
Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)
No capítulo dos nomes difíceis têm acontecido coisas das mais pitorescas. Ou é um
camarada chamado Mimoso, que tem físico de mastodonte, ou é um sujeito fraquinho e
insignificante chamado Hércules. Os nomes difíceis, principalmente os nomes tirados de
adjetivos condizentes com seus portadores, são raríssimos, e é por isso que minha avó
a paterna - dizia:
Gente honesta, se for homem deve ser José, se for mulher, deve ser Maria!
É verdade que Vovó não tinha nada contra os joões, paulos, mários, odetes e
vá lá fidélis. A sua implicância era, sobretudo, com nomes inventados,
comemorativos de um acontecimento qualquer, como era o caso, muito citado por ela, de uma
tal Dona Holofotina, batizada no dia em que inauguraram a luz elétrica na rua em que a
família morava.
Acrescente-se também que Vovó não mantinha relações com pessoas de nomes tirados
metade da mãe e metade do pai. Jamais perdoou a um velho amigo seu o
"Seu" Wagner porque se casara com uma senhora chamada Emília, muito
respeitável, aliás, mas que tivera o mau-gosto de convencer o marido de batizar o
primeiro filho com o nome leguminoso de Wagem "wag" de Wagner e
"em" de Emília. É verdade que a vagem comum, crua ou ensopada, será sempre
com "v", enquanto o filho de "Seu" Wagner herdara o "w" do
pai. Mas isso não tinha nenhuma importância: a consoante não era um detalhe bastante
forte para impedir o risinho gozador de todos aqueles que eram apresentados ao menino
Wagem.
Mas deixemos de lado as birras de minha avó velhinha que Deus tenha, em Sua santa
glória e passemos ao estranho caso da família Veiga, que morava pertinho de nossa
casa, em tempos idos.
"Seu" Veiga, amante de boa leitura e cuja cachaça era colecionar livros, embora
colecionasse também filhos, talvez com a mesma paixão, levou sua mania ao extremo de
batizar os rebentos com nomes que tivessem relação com livros. Assim, o mais velho
chamou-se Prefácio da Veiga; o segundo, Prólogo; o terceiro, Índice e, sucessivamente,
foram nascendo o Tomo, o Capítulo e, por fim, Epílogo da Veiga, caçula do casal.
Lembro-me bem dos filhos de "Seu" Veiga, todos excelentes rapazes,
principalmente o Capítulo, sujeito prendado na confecção de balões e papagaios. Até
hoje (é verdade que não me tenho dedicado muito na busca) não encontrei ninguém que
fizesse um papagaio tão bem quanto Capítulo. Nem balões. Tomo era um bom
extrema-direita e Prefácio pegou o vício do pai - vivia comprando livros. Era, aliás, o
filho querido de "Seu" Veiga, pai extremoso, que não admitia piadas. Não tinha
o menor senso de humor. Certa vez ficou mesmo de relações estremecidas com meu pai, por
causa de uma brincadeira. "Seu" Veiga ia passando pela nossa porta, levando a
família para o banho de mar. Iam todos armados de barracas de praia, toalhas etc. Papai
estava na janela e, ao saudá-lo, fez a graça:
Vai levar a biblioteca para o banho? "Seu" Veiga ficou queimado durante
muito tempo.
Dona Odete por alcunha "A Estante" mãe dos meninos, sofria o
desgosto de ter tantos filhos homens e não ter uma menina "para me fazer
companhia" - como costumava dizer. Acreditava, inclusive, que aquilo era castigo de
Deus, por causa da idéia do marido de botar aqueles nomes nos garotos. Por isso, fez uma
promessa: se ainda tivesse uma menina, havia de chamá-la Maria.
As esperanças já estavam quase perdidas. Epílogozinho já tinha oito anos, quando a
vontade de Dona Odete tornou-se uma bela realidade, pesando cinco quilos e mamando uma
enormidade. Os vizinhos comentaram que "Seu" Veiga não gostou, ainda que se
conformasse, com a vinda de mais um herdeiro, só porque já lhe faltavam palavras
relacionadas a livros para denominar a criança.
Só meses depois, na hora do batizado, o pai foi informado da antiga promessa. Ficou
furioso com a mulher, esbravejou, bufou, mas bom católico acabou
concordando em parte. E assim, em vez de receber somente o nome suave de Maria, a
garotinha foi registrada, no livro da paróquia, após a cerimônia batismal, como Errata
Maria da Veiga.
Estava cumprida a promessa de Dona Odete, estava de pé a mania de "Seu" Veiga.
Texto extraído do livro "A Casa Demolida", Editora do Autor - Rio de
Janeiro, 1963, pág. 175.
Conheça e vida e a obra de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) visitando
"Biografias".
|